História da Baixada

Primórdios da História da Baixada Fluminense









ESTRADA  DE   FERRO   D.   PEDRO  II


            Talvez nos dias atuais seja difícil avaliar a mudança rápida e profunda, verdadeiramente revolucionária em todos os aspectos (econômico, social, cultural, político, etc) proporcionada pelo advento da estrada de ferro. A ferrovia funcionou como a precursora de toda a "Revolução Industrial" que então começava, fazendo o transporte fácil e relativamente barato não só dos enormes e pesados equipamentos para a instalação das fábricas, como também da produção subseqüente, além do transporte regular de pessoas e mercadorias com uma facilidade e segurança até então desconhecidas.
            Enquanto o transporte de mercadorias se limitava a atender ao comércio regional ou a Capital da Província  com os excedentes de milho, feijão , aves e até da exportação de açúcar,  os tropeiros que alugavam suas tropas de muares a diversos proprietários, fazendo o transporte de mercadorias entre as diversas localidades e os portos fluviais, eram suficientes para atender às necessidades, bem como os rústicos caminhos, as vezes simples trilhas, apesar de serem conhecidos como  ''estradas''. 
            O aumento na produção de café  obrigou os grandes fazendeiros a formarem as suas próprias tropas de transporte e começaram a pressionar o Governo a manter e melhorar as vias de acesso de seu produto até o litoral.  Apesar dos investimentos na melhoria dos caminhos e na construção de pontes, o aumento contínuo na produção de café estava tornando completamente inviável o transporte através das tropas de burros, necessitando urgentemente de outro meio de transferência da mercadoria desde o local da produção até o destino.  
            Em 3 de outubro de 1835 foi promulgada pelo Regente Feijó a Lei no.  101 que estabelecia os parâmetros gerais para a instalação de ferrovias no Brasil, principalmente quanto aos benefícios que seriam concedidos aos investidores pelo Governo. Em 26 de julho de 1852 foi promulgada a Lei no. 641 que aumentou ainda mais os benefícios já concedidos.
            A partir daí muitos pedidos de concessão foram feitos, principalmente com o objetivo de atingir as regiões de produção de café, porém somente em 1854 foi inaugurada a primeira ferrovia no Brasil, por Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá que, com pouco mais de 14 quilômetros, ligava a estação de Guia de Pacobaíba, próxima a atual praia de Mauá, no município de Magé, à Raiz da Serra da Estrela, atual Raiz da Serra, também no município de Magé. Esta ferrovia na realidade deveria chegar até Petrópolis, mas por falta de recursos para a execução da parte mais dispendiosa, que era a subida da serra, não teve prosseguimento na época.
            Após muitas negociações e dificuldades para obtenção do capital necessário, foram aprovados os estatutos de constituição da Companhia Estrada de Ferro D. Pedro II pelo Decreto no. 1599 em 9 de maio de 1855. Imediatamente, em agosto, os trabalhos do 1o  trecho foram iniciados e em 29 de março de 1858 foi inaugurado, ligando a estação da Corte (no Campo da Aclamação) à localidade de Queimados com a extensão de 47 km com uma estação intermediária, a de Cascadura que também foi inaugurada na mesma  data. Estas estações foram construídas em paredes de taipa (madeira trançada e barro), exceto a da Corte que era de paredes de alvenaria e o piso em terra batida.Na época Queimados era a Freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Marapicu,  Pouso dos Queimados, criada por Alvará de 04 de fevereiro de 1759.
            Em um dia de muito sol,  as 10 horas e trinta minutos da manhã de 29 de março de 1858, com uma multidão entusiasmada aglomerada em torno da estação, acompanhado da Imperatriz Teresa Cristina, toda a família e comitiva, após salvas de tiros de artilharia e de infantaria, o Imperador D. Pedro II embarcou em um comboio conduzido pela locomotiva batizada com o nome de "Brasil";  tornara-se  uma tradição dar nome às locomotivas, para uma viagem até Queimados que demorou pouco mais de uma hora.
            Na época a estrada de ferro possuía 10 locomotivas, todas de fabricação inglesa, entre as quais a "Imperador", a "Imperatriz", a "Princeza Imperial", a "Indústria"', a "Progresso", a "Mineira", a "Paulista", e a "Fluminense", oito carros de passageiros de primeira classe, dezesseis de segunda, também dezesseis de terceira e cem (100) de diversos tipos, carros fechados para carga, pranchões, etc.  À partir de 1864 começam a rodar as locomotivas norte-americanas e em 1876  as primeiras locomotivas inglesas foram desativadas. Em 1882 já havia 115 locomotivas, sendo 95 norte-americanas e as demais belgas, alemãs e inglesas. Essa foi a 3a ferrovia a ser construída no Brasil e seu objetivo era se estender até Minas Gerais e São Paulo.
            A chegada da estrada de ferro ao interior afetou profundamente o rumo do desenvolvimento econômico, levando desenvolvimento para as povoações localizadas às suas  margens e rápida decadência para aquelas outras que, direta ou indiretamente, dependiam do transporte marítimo ou fluvial, até então fundamentais e os únicos existentes.
            No início do funcionamento da ferrovia, os carros da 3a  classe eram abertos nas laterais, com bancos de madeira e não cobravam passagem porque eram destinados aos pobres, assim identificados por andarem descalços já que não tinham recursos para comprar qualquer tipo de calçado.  Imediatamente estes carros passaram a ser utilizados também por passageiros das demais classes sociais que, literalmente,  tiravam e escondiam seus sapatos para poder viajar de graça. Em pouco tempo a 3a  classe seria extinta.
            Com a inauguração em 8 de novembro de 1858 do 2o trecho com a extensão de 13 km até a localidade de Belém (atual Japeri), que era na época a Freguesia de Nossa Senhora de Belém e Menino Deus, onde foi construída a estação em terrenos doados pelo Marquês de São João Marcos, o maior fazendeiro da região, esta povoação passou a ser bastante movimentada ao  transformar-se, em seguida, no ponto de bifurcação para a extensão do ramal até Barra do Pirai, inaugurado em agosto de 1864, possuindo um desenvolvido comércio e um setor de manutenção ferroviária.
            A  partir daí começou uma intensa disputa política na capital do Império pela expansão da estrada de ferro. De um lado grupos poderosos da já então crescente e próspera região de Vassouras, que pelo seu próprio estágio de desenvolvimento, apoiado principalmente na produção de café, necessitava com urgência de um meio de transporte que atendesse seu potencial de crescimento, quer este caminho passasse por Macacos ou por Morro Azul, que eram as opções; do outro lado a emergente Macacos que ainda estava muito longe do desenvolvimento de Vassouras mas contava com o apoio de grupos de pessoas que tinham grande influência política  na Corte e  projetos de grandes investimentos na região.
            Não se sabe bem quais os critérios estabelecidos para a decisão, mas foi estabelecido que seria feita imediatamente uma expansão da estrada de ferro através de um ramal até Macacos.
Provavelmente foi levado em consideração para esta decisão a necessidade de resolver um grave e imediato problema que era a dificuldade de comunicação por terra entre as localidades devido ao alagamento constante das "estradas", que escoavam toda a produção da região de Vassouras e Valença, especialmente o café, já que os recursos necessários para a manutenção das "estradas", que neste trecho atravessavam terrenos pantanosos, estavam sendo direcionados para a construção da ferrovia.  Na época, a denominação "estrada" referia-se a qualquer caminho mais ou menos transitável por carros de bois ou tropas de muares.
            Disponibilizados os recursos foi iniciada imediatamente a obra, ficando para mais tarde a expansão até Vassouras,  o que foi concretizado em 18 de junho de 1865 com a inauguração da estação.
            A inauguração da estação de Macacos ocorreu em 3 de junho de 1861 com a presença do Imperador.  A chegada da estrada de ferro, já nesta época contando com 22 locomotivas de fabricação inglesa e americana, juntamente com o início do serviço de telégrafo  e do correio diário, além da topografia favorável da região e da qualidade e quantidade dos mananciais de água, mudou completamente a vida local, com a população passando a se agrupar em torno da estação, estimulada pelo desenvolvimento do comércio e a facilidade de comunicação com a Capital. Imediatamente abriram-se novas oportunidades de investimento e desenvolvimento, já que passou a existir transporte fácil e barato (caminho totalmente plano) até o Rio de Janeiro que era, na época não só o grande mercado consumidor como a porta de saída de todos os produtos produzidos na região e que pudessem ser exportados.
            Apesar dos bons resultados conseguidos pela ferrovia com o transporte de carga, principalmente com o café, os grandes encargos com a expansão da linha em direção a Minas Gerais, a manutenção da linha já existente e os custos com amortização de empréstimos, os recursos não foram suficientes e a crise financeira ameaçou inviabilizar o empreendimento até que em 1865, o Governo Imperial encampou a ferrovia. Na época a Companhia possuía 22 locomotivas, sendo 13 inglesas e 9 norte-americanas, 49 carros de passageiros e 222 carros de diversos modelos para transporte de cargas e já havia 137 quilômetros de ferrovia em operação, incluindo o ramal de Macacos e a linha até Vassouras. A ferrovia estendia-se até Três Rios e já estavam prontos os estudos técnicos para a extensão até Porto Novo do Cunha bem como do ramal até São Paulo.

A FAZENDA SANTA CRUZ   (INÍCIO  DA  COLONIZAÇÃO  DO  INTERIOR)

     Após  a primeira guerra contra os franceses em 1560, começaram a ser feitas as primeiras doações de terras (as "sesmarias") de maneira indiscriminada, sem medições ou documentos oficiais, principalmente na região do atual município de Magé e nas áreas ao longo  dos rios Iguaçu e Macacu. Eram feitas a portugueses e também a tribos indígenas que se haviam destacado direta ou indiretamente na luta e tinham como objetivo promover o povoamento e a defesa da região. Essas doações mais tarde foram motivo de vários conflitos por posse e definição de limites com sesmarias cedidas posteriormente. Cada donatário de Capitania poderia distribuir 80 % de suas terras em várias sesmarias e obrigatoriamente ocupar e desenvolver os 20 % restantes.

            Somente à partir de 1565 começaram a ser concedidas de maneira mais organizada novas sesmarias no contorno da Baía de Guanabara. Uma delas foi doada  em 1567 a Cristóvão Monteiro, mais tarde Ouvidor-Mor, compreendendo  toda a região em torno do atual Rio Guandu, tornando-se o primeiro português proprietário de terras na região e também a Luis de Góis  nas proximidades do  rio Iguaçu.  
            Em princípios de 1600 o Governador Martim de Sá  organizou e comandou uma expedição composta por 500 portugueses e  3.000 índios, para exploração do interior da região da Baia da Guanabara chegando um português pela primeira vez até o Rio Paraíba.
            Até meados do século XVII somente as regiões que possuíam grandes rios que adentravam ao interior  e que por isto tivessem facilidade de penetração tinham sido privilegiadas por algum tipo de desenvolvimento; não era esse o caso e  toda a região ficou praticamente intocada pelos colonizadores portugueses. Apenas à partir dessa época foi implementada uma política de ocupação organizada da região, já que havia o interesse do governo em ocupar e povoar o interior para explorar e defender a área. A atividade econômica dos primeiros colonizadores resumia-se ao cultivo de milho, da mandioca para a produção de farinha, cultivo de cana para produção de açúcar, rapadura e aguardente e criação de gado para alimentação, trabalho e transporte. 
            Segundo Monsenhor Pizarro (José Azevedo Pizarro de Araújo) este processo teve início efetivamente quando o Governador Martim de Sá promoveu a atração dos índios que habitavam a ilha Grande  e a ilha de Jaguaramenon (atual Jaguanum) para a ilha de Piaçavera (atual Itacurussá) e daí mais tarde, até o continente, fixando-se primeiramente nas terras compreendidas entre os rios Tiguaçu e Itaguaí ("rio das barreiras")  e que passaram a ser denominadas "Terras de Y-Tinga" e onde foi fundada, provavelmente em 1615 a  Aldeia de Ytinga, denominações que se devem à tribo que originalmente habitava a ilha de Jaguaramenon e que teria este nome.
            A formação da Fazenda de Santa Cruz teve início com a doação feita por Dna. Marqueza Ferreira, viúva de Cristovão Monteiro, em 8 de dezembro de 1589, de metade da sesmaria recebida por seu marido, para a Companhia de Jesus. A outra metade foi adquirida mais tarde, através de uma troca com Dna. Catharina Monteiro, filha de Dna. Marqueza Ferreira, recebendo a mesma várias propriedades da Companhia localizadas perto de Bertioga, na ilha de Santo Amaro e na Vila de Santos.
            A Companhia de Jesus recebeu outras terras do Governo com a divisão da antiga Capitania de São Tomé em várias partes e de novas doações particulares de áreas adjacentes, formando a Fazenda de Santa Cruz, que já em 1656 se estendia da ilha de Guaraqueçaba, na Pedra de Guaratiba até o atual município de Mangaratiba, incluindo as ilhas de Itacurussá, da Madeira e Grande e avançava pelo interior até a serra de Mata-Cães em Vassouras.
            Em seguida chegaram os Jesuítas (missionários da Companhia de Jesus) que edificaram uma igreja, em torno de 1688, localizada entre a serra de Itaguai e o rio Itaguai, junto ao mar, e iniciaram o trabalho de catequese, lançando as bases de uma futura povoação e iniciando a criação de gado em larga escala, trazendo as primeiras cabeças das ilhas dos Açores e Cabo Verde. Mais tarde, em 1718, os Jesuítas transferiram todos os habitantes para outras terras, ainda dentro da área da Fazenda que melhor se prestariam à continuidade e crescimento  do aldeamento; um dos motivos desta mudança foi a necessidade de proteger a povoação do contato regular com os problemas e vícios dos colonizadores e todo tipo de aventureiros que transitavam pela região, principalmente à partir de 1693 quando ocorreu a primeira descoberta de ouro nas Minas Gerais, pelo bandeirante Antonio Rodrigues Arzão.
             Nesse novo local, conhecido na época como Curral dos Padres ou Curral Falso, foi construída uma igreja dedicada a São Francisco Xavier que foi concluída em 1729, tendo esta povoação sido elevada a Freguesia por Provimento em 15 de novembro de 1759  e que, mais tarde daria origem à Vila de São Francisco Xavier de Itaguaí, onde existe atualmente a cidade de Itaguaí. Aquela região na época era totalmente inóspita e  insalubre devido às inundações periódicas, grandes áreas de brejos e mata fechada.
            Alguns historiadores argumentam que o Curral Falso era a denominação inicial da primeira povoação e não desta; outros ainda informam que esta denominação foi dada a uma outra povoação instalada mais tarde no local onde existe o bairro de Santa Cruz (município do Rio de Janeiro).
            A atuação dos Jesuítas não era muito bem vista pelos pequenos nem grandes proprietários de terras já que os mesmos além de se colocarem terminantemente contra a escravidão dos indígenas estabeleciam um modelo de grandes povoamentos o que não era desejado pelos grandes ou pequenos proprietários que preferiam viver mais ou menos isolados, o que permitia que exercessem seu poder absoluto sobre tudo e todos em suas terras, na realidade não prestando conta de seus atos a ninguém.
            Uma comprovação deste poder  é o fato de que somente em 1697 foi criada a segunda  vila na região da Guanabara e arredores:  a  Vila de Santo Antonio de Sá, localizada no atual município de Itaboraí, quase 200 anos após o inicio da ocupação da região.
            Foi a ação organizada dos Jesuítas, construindo capelas e igrejas e fundando Freguesias que mudou essa situação e propiciou o movimento de concentração da população. Estes primitivos núcleos ajudavam a desenvolver o comércio local e, com o aumento da população desenvolviam novas atividades, inclusive organizando  e promovendo procedimentos de defesa militar em harmonia com o Poder Central.
            No período entre 1698 e 1722 foram abertos vários  "Caminhos Novos" entre o Rio de Janeiro e as "Minas Gerais" para o transporte do ouro . Esse trabalho foi iniciado pelo bandeirante Garcia Paes Leme, com a abertura do primeiro caminho e concluído por Bernardo Soares Proença, com outro caminho; todos eles possuíam várias variantes, sendo que uma delas, aberta em 1715 por Garcia Rodrigues Paes,  passava por Macacos  (Paracambi), o que possibilitou o início de uma nova era para a região, com a passagem dos desbravadores, colonizadores, contrabandistas de ouro e a fixação dos primeiros "sesmeiros".
            Em 29 de agosto de 1750 foi concedida sesmaria a José Freire Pereira no Ribeirão das Lajes e em seguida várias outras ao longo do "caminho novo" dando início ao processo de efetiva ocupação e desenvolvimento. Começaram a surgir vários pequenos núcleos de povoamento criados para dar apoio às necessidades do movimento das tropas, tais como: locais para descanso e para troca de animais,  pequeno comércio para alimentos e bebidas, etc.
            Foi na Fazenda de Santa Cruz que pela primeira vez no Brasil  o homem agiu sobre a natureza; trazendo conhecimentos adquiridos nos centros avançados da Europa, os Jesuítas utilizando o trabalho escravo, promoveram obras monumentais e inéditos trabalhos de engenharia para drenagem e saneamento das planícies até então inundáveis, como a construção de vários canais (alguns, como o canal de Itá, com 14 km de comprimento) para permitir extravasar o excesso de águas dos rios até o mar durante o período das grandes chuvas, grandes barragens de terra compactada e um conjunto de várias comportas para controle do fluxo das águas.
            A Ponte dos Jesuítas, provavelmente construída em 1752 e ainda existente no bairro de Santa Cruz no atual município do Rio de Janeiro é um exemplo desse trabalho; fazia parte de um amplo e complexo sistema, funcionando como ponte e como barragem, com um sistema de comportas que controlava o volume de água que era desviado para as plantações de arroz nas áreas mais baixas e drenava as partes mais altas que eram utilizadas parte para as plantações e parte como área de pastagens para o gado.
            Esse trabalho propiciou o aproveitamento de praticamente toda a área da Fazenda e o inicio de um ciclo de grande desenvolvimento, iniciando-se a cultura de arroz nas áreas mais baixas e nas demais áreas até a serra foi a cultura de cana de açúcar que se tornou a principal atividade econômica da região,  que mais tarde também teve o seu "Ciclo do Café", sendo que ainda no final do século XVIII já possuía mais de 20.000 pés de café e dois engenhos de açúcar, além da criação de gado em grandes extensões. As primeiras plantações de café na região do Rio de Janeiro foram feitas com mudas cultivadas na fazenda do padre Antonio do Couto da Fonseca, na época vizinha da fazenda Santa Cruz e localizada no atual bairro de Campo Grande.
            Em 1759 os Jesuítas perderam o controle das povoações devido a Leis emanadas da Corte, onde o Marques de Pombal movia forte campanha contra a atuação da Companhia de Jesus e foram obrigados a abandonar o local como também de todas as suas propriedades no Brasil, passando a Fazenda Santa Cruz ao controle da coroa portuguesa, vindo a ser chamada Imperial Fazenda de Santa Cruz e mais tarde, com o advento da república, Fazenda Nacional de Santa Cruz. 
            As dificuldades dos Jesuítas com a Coroa devem se, entre outros já mencionados, ao fato de que cada vez mais os índios aldeados e os demais habitantes serem requisitados para a execução de obras públicas, serviço militar, etc, o que deixava em vários casos, as aldeias praticamente desertas sem condições inclusive de manter a agricultura e a pecuária necessárias à sua própria subsistência, além do evidente interesse generalizado e crescente naquelas terras já saneadas e altamente produtivas.
            Entretanto a povoação de Itaguaí sobreviveu e foi ereta (elevada) em Vila em 1818, com a denominação de Vila de São Francisco de Itaguaí, tendo inclusive, hospedado o Imperador D. Pedro II em 1822 quando de sua viagem a São Paulo, onde proclamaria a República.
            A liberação das terras e da população do controle e da "proteção" exercidos pelos Jesuítas e o progressivo desenvolvimento da região da Fazenda de Santa Cruz com a utilização cada vez maior do novo caminho para as Minas Gerais, levaram à expansão e desenvolvimento de muitos grupos de colonizadores que criaram várias novas e pequenas povoações por toda aquela região, onde hoje estão localizados os municípios de Itaguaí, Mangaratiba, Paracambi, Mendes, Paulo de Frontin, Vassouras, Rio Claro, Pirai e Seropédica, que deve seu nome a uma atividade econômica muito importante na época (1852) que era a produção de fios de seda (Seropédica = local onde se produz seda) e que também já possuía 21 fazendas de café e 4 de cana de açúcar, o que demonstra o crescimento da região.
            Entre essas povoações surgiu a Freguesia de São Pedro e São Paulo do Ribeirão das Lajes, criada pela Lei Provincial n. 77 de 29 de dezembro de 1836, que ocupava parte da área onde hoje estão localizadas as instalações do Depósito Central de Munições do Exército e que foi o povoado que efetivamente iniciou a ocupação sistemática e contínua de toda a região de Macacos. O povoado de São Pedro e São Paulo do Ribeirão das Lajes iniciou seu período de crescimento a partir do inicio do século XIX com o progressivo desenvolvimento das atividades agrícolas e pecuárias nas fazendas dos Macacos e Vieira Jorge, entre outras e o crescimento do comércio a partir do grande movimento do trânsito das tropas de transporte dos mais variados produtos desde o interior do Rio de Janeiro, primeiramente da região de Valença e mais tarde da região de Vassouras pela então chamada "Estrada Presidente Pedreira", e também de produtos vindos de Minas Gerais e São Paulo.




A PRIMEIRA GRANDE EXPEDIÇÃO

 


            Em 20 de novembro de 1530, Sua Majestade o rei D. João III, aconselhado por D. Antônio de Ataíde, seu principal assessor, resolve designar o fidalgo Martim Afonso de Souza para chefiar uma grande expedição com destino ao Brasil - a maior desde a descoberta em 1500 e a primeira armada comandada por um fidalgo.
            Expulsar os franceses não era, contudo, o único objetivo da expedição. Rumores a respeito de um lendário "Rei Branco" e a existência de uma misteriosa Serra de Prata (Potosí) atraiam, igualmente, os interesses da corte lusitana. Cabia, portanto, ao fidalgo, mais esse compromisso: desvendar os mistérios que cercavam a existência desse tesouro e assim resolver parte dos problemas financeiros de Portugal ...  mas isso é uma outra história.
            Em 31 de janeiro de 1531, Martim Afonso de Souza e seus homens vislumbram os primeiros contornos do litoral brasileiro, mais especificamente o Pontal de Boa Vista, 30 Km ao norte do cabo de Santo Agostinho, em Pernambuco. Ainda, neste mesmo dia, a frota portuguesa deu combate a alguns navios franceses fazendo prisioneiros e capturando mercadorias. Após  a instalação da feitoria de Igaraçu em 24 de fevereiro, João de Souza (parente de Martim Afonso), retorna para Lisboa a bordo da nau francesa capturada levando 30 prisioneiros e 2.768 toras de pau-brasil. Ao capitão Diogo Leite foram entregues as caravelas Rosa e Princesa e a missão de dirigir-se para o norte até atingir o Maranón (foz do rio Amazonas). Pouco se sabe a respeito da missão de Diogo Leite. Esse longo trecho do litoral se estende desde o Cabo de São Roque até a ilha de Marajó. As dificuldades de navegação eram tão grandes que todo esse território só seria efetivamente colonizado a partir de 1600.
            Em primeiro de março Martim Afonso prosseguiu em sua missão pelo litoral brasileiro. Com sua frota reduzida à nau-capitânea, ao galeão São Vicente e uma segunda nau capturada dos franceses. Martim Afonso atingiu a baía de Todos os Santos na manhã do dia 13 de março de 1531. Este extraordinário ancoradouro natural já era conhecido dos portugueses que ali  mantiveram uma pequena feitoria até 1525. Desde então, abandonado, passou a ser explorado por franceses e espanhóis.
            Tão logo desembarcaram nas proximidades do atual Farol da Barra, Martim Afonso e seus soldados encontraram com um misterioso homem a quem os indígenas denominavam "Caramuru". Tratava-se de um náufrago português - de nome Diogo Álvares, e único sobrevivente de uma expedição por volta de 1509. Encontrado pelos nativos do lugar em condições precárias, certamente, deram-lhe o nome de "Caramuru" que em Tupi designa uma espécie de enguia que vive entre as pedras.
            Convencido da localização estratégica, Martim Afonso ali permaneceu por perto de 30 dias aproveitando-se dos bons ares da Bahia e da boa aliança com os Tupinambás, fortalecida pela presença de Diogo Álvares. Se o seu objetivo principal era a colonização do Brasil, de certo aquele seria um excelente local para estabelecer uma base. De qualquer forma, era necessário dar prosseguimento a expedição.
            Após reabastecer os navios, Martim Afonso resolve deixar em terra dois homens e sementes de diversos tipos. A eles foi entregue a missão de manter a feitoria e averiguar as condições de plantio das espécies. Não tendo mais nada a fazer por ora, levantou ferros no dia 27 de março com destino ao sul do litoral brasileiro.
            Na manhã do dia 30 de abril, após 33 dias de luta contra o mau tempo e correntes contrárias, a expedição lançou âncoras na baía do Rio de Janeiro. Assim como na Bahia, o local era conhecido dos portugueses que ali alí mantiveram, na primeira década após o descobrimento, um entreposto para coleta e guarda de pau-brasil. Esta feitoria recebeu o nome de "Carioca" o que na língua Tupi significa "Casa de Branco". Talvez, dadas as características geográficas da baía, muito diferentes daquelas encontradas na baía de Todos os Santos, Martim Afonso resolveu estabelecer ali a sua principal base no Brasil. Ainda, nesse mesmo dia, iniciou a construção de uma forte paliçada e nos dias seguintes ergueram uma casa-forte, uma ferraria e um estaleiro. O ponto exato, segundo vários historiadores, seria na praia do Flamengo - no mesmo local da feitoria "Carioca" erguida em 1511 e desativada em 1516.
            Durante os vários dias que se seguiram, Martim Afonso, ao mesmo tempo em que coordenava as obras de construção do pequeno forte, atribuiu ao provedor da armada - Henrique Montes, a construção de um bergantim (pequeno barco) e a obtenção de mantimentos para abastecer os navios, produtos esses, conseguidos com os indígenas - peixe seco, farinha de mandioca, milho e frutas diversas em troca de anzóis, facões e machados. Era sabido que sua expedição saíra de Lisboa com previsão para durar pelo menos dois anos. Antes de prosseguir pelo litoral sul do Brasil, porém, era preciso conhecer um pouco mais a respeito daquele lugar. Decidiu, então organizar um pequeno destacamento de quatro homens, cujo objetivo seria o de exploração do interior da região.
            Depois de trinta anos, fôra essa a segunda vez que os portugueses puseram a se aventurar além da faixa litorânea, penetrando pelo interior brasileiro. A primeira expedição partira, durante o outono de 1904, provavelmente da região próxima de Cabo Frio, sob o comando de Américo Vespúcio. Retornou, entretanto, 30 dias depois, ao encontrar os contrafortes da Serra dos Órgãos que lhe barrou a passagem.
            A expedição de Martim Afonso, muito provavelmente, deparou também com grandes montanhas em seu percurso, porém foram mais eficientes que seus antecessores e marcharam durante dias percorrendo cerca de 1000 km até encontrarem uma aldeia indígena. Não há registros desse itinerário no diário de Pero Lopes, mas acredita-se que a expedição tenha cruzado a Serra do Mar seguindo, então, pelo vale do Paraíba até atingir os campos de Piratininga.
            Em primeiro de agosto de 1531, Martim Afonso zarpou em direção ao sul do Brasil em busca, talvez, do misterioso "Rei Branco" e da Serra da Prata. Sua permanência em águas cariocas por exatos três meses, contudo, marca o início da aventura de colonização da região fluminense, mesmo supondo que esse pudesse não ser o principal objetivo de sua expedição.
            Pelos próximos 20 anos a baía do Rio de Janeiro e as regiões vizinhas seriam palco, ainda, de grandes aventuras até o concretizar definitivo de sua colonização.

1 -  AS  CAPITANIAS HEREDITÁRIAS

 



          A falta de desenvolvimento das feitorias de um modo geral, a destruição de muitas delas pelos índios, o início da colonização espanhola nas terras de Espanha colocando em risco a integridade territorial da colônia, levaram o governo português a idealizar uma nova maneira de ocupar e desenvolver as terras do Brasil, sem onerar o já combalido tesouro português, que não suportaria novos investimentos de retorno duvidoso; havia uma grave crise financeira e a iniciativa de dividir o Brasil em partes, verdadeiros feudos, em que o proprietário, o Donatário,  teria um direito quase ilimitado sobre tudo e todos dentro do seu domínio.
            No início de 1532 o Gabinete Real formado pelo seu principal membro, o conselheiro D. Ataíde; o tesoureiro-mor, Fernão Álvares de Andrade; o feitor da Casa da Índia, João de Barros; e o secretário-geral, D. Antonio Carneiro, reuniu-se com o rei D. João, no Paço de Évora, com o objetivo de por fim a crise que se estabelecera. Decidiram, então, aplicar o que os historiadores chamam de "solução tradicional". A exemplo do que havia sido feito na costa da África, o Brasil seria dividido em fatias as quais seriam entregues aqueles que se dispusessem, com erário próprio, a colonizar e se estabelecer em terras brasileiras. Surgia, assim o Brasil das Capitanias   Hereditárias ... tinha início a Colonização do Brasil.
            A primeira Carta de Donataria foi assinada na cidade de Évora, em 10 de março de 1534, concedendo a capitania de Pernambuco a Duarte Coelho. Sucessivamente foram concedidas  as demais 14 fatias das terras do Brasil, dadas a 12 escolhidos no total, a  "melhor gente" de Portugal, dispostos a se estabelecerem no Brasil e, principalmente, suficientemente ricos para oferecer um mínimo de garantia para o sucesso da difícil empreitada.
            A primeira atividade econômica foi a extração em larga escala do pau-brasil (também chamado pau-de-tinta, ibirapitanga, muirapiranga, sapão, pau-rosado, pau-de-pernambuco, etc.), que já se tornava inviável à partir de 1550, devido a recusa dos índios em continuar a fazer todo o trabalho, em regime de clara escravidão.
            Em conseqüência,  iniciou-se o desenvolvimento da cultura da cana de açúcar que também não obteve o sucesso inicialmente previsto e necessário, sendo que um registro de 1544 informava que "... o Brasil não somente não rendeu nada de vinte anos até agora o que soía; mas tem custado a defender e povoar mais de 80 mil cruzados".
            Na realidade poucas capitanias prosperaram; os sistemáticos ataques dos índios, revoltados com o trabalho escravo que lhes era imposto e incentivados pelos franceses (os "mairs") e outros estrangeiros contra os portugueses (os "perós") e mais revoltados ainda com os costumes "dissolutos" dos degradados, em número maior do que dos colonos livres, que colocavam em risco suas aldeias, as mulheres e crianças. Também a natureza tropical dificultando enormemente o desbravamento e a ocupação das terras, a falta de coordenação e de contato entre os donatários para as suas ações de ocupação e defesa, levou ao abandono de várias das Capitanias pelos seus "afortunados" donatários, sendo que as do Rio de Janeiro e da Bahia retornaram mais tarde à administração da Coroa portuguesa e por volta de 1584 só havia sete Capitanias ainda em relativo desenvolvimento.
2 - O GOVERNO CENTRAL
           Na quase totalidade da costa brasileira, o êxito da colonização dependia fundamentalmente da organização da luta contra os indígenas para permitir a instalação e o desenvolvimento da agricultura. Essa necessidade urgente, os constantes abusos e desmandos dos Donatários, o aumento das divergências e desavenças entre proprietários e colonos, a falta de fiscalização dos direitos da Coroa Real quanto aos impostos e a presença cada vez mais numerosa e ousada dos corsários franceses que criavam várias pequenas povoações fortificadas em toda a costa e que serviam de base para suas ações, como também e mais preocupante, espionavam toda a movimentação do comércio de Portugal com as Índias, através do Atlântico.
            Decidido então o governo da Metrópole a enfrentar todas estas dificuldades, resolveu o rei D. João III, filho de D. Manuel  I, encarregar D. Antônio de Ataíde, conde de Castanheira, de preparar uma Regulamentação que criasse uma estrutura de governo no Brasil, sem extinguir o sistema de Capitanias Hereditárias.
            Aprovada essa regulamentação em 17 de dezembro de 1548 e tomando a forma de lei por Carta Régia de 7 de janeiro de 1549, era criada a figura do Governador do Brasil, a denominação "Governador Geral" somente seria aplicada a partir de 1577, ao qual incumbia entre outras responsabilidades   "... dar favor e ajuda a todas as povoações, ministrar justiça, promover as causas e negócios da Coroa e promover o bem comum". Colocava-se este Governador como representante do Rei, centralizando a Justiça em todo o território do Brasil e retirando esta autoridade dos Donatários. Esta talvez tenha sido a mais profunda modificação nos direitos e deveres, já que as Cartas de Concessão das Capitanias Hereditárias concediam aos Donatários o direito de "...estabelecer e fazer justiça ..." nos seus omínios.Estes continuariam a comandar as forças militares em suas respectivas Capitanias, porém o Governador passaria a ter poder para requisitá-las em caso de necessidade, para restabelecer a ordem, por desobediência de algum Donatário, etc.
            Esse Regimento, composto por 41 artigos e 7 suplementos, não se limitava apenas a regulamentar o trabalho do Governador, também criava e regulamentava vários outros cargos e funções, tais como; Ouvidor-Geral, superior a todos os magistrados da Colônia; Provedor-Mor da Fazenda, para fiscalizar a arrecadação de impostos em todas as Capitanias; Capitão-Mor da Costa, para organizar as operações navais contra os invasores.  As nomeações para estes cargos seriam válidas por 3 anos, findo os quais seriam substituídos. Para cada um desses cargos havia detalhados códigos administrativos de conduta e ação como também de relacionamento entre eles. Muitos historiadores entendem ter sido este conjunto de regulamentos a "Primeira Constituição do Brasil", já que pela primeira vez eram estabelecidos, por escrito, todos os procedimentos de Governo, tanto para a Administração Pública, como para a Fazenda,para a Justiça e para a Defesa.
            Para a sede do novo governo, D. João III escolheu a Capitania da Bahia, retomada a  Francisco Pereira Coutinho, filho do primeiro donatário já falecido, mediante uma pensão de 400 mil réis anuais estabelecida anos depois, após longo processo judicial, surgindo assim a primeira Capitania Real ou da Coroa.  Foi estabelecido também nessa mesma época que o local da povoação  e da respectiva fortaleza destinada à sede do novo governo seria na região da Baía de Todos os Santos, "... tanto pela disposição do porto e rios que nela deságuam, como pela bondade, abastança e saúde da terra ...", onde o falecido donatário já havia construído uma cerca fortificada em torno de algumas construções; havia ainda a possibilidade de o governador nomeado  escolher outro local para a povoação, se assim julgasse melhor.

3 -PRIMEIRO GOVERNO 
           Para exercer o cargo de Primeiro Governador do Brasil, conforme a Carta Régia de 7 de janeiro de 1549, foi nomeado Tomé de Souza, filho natural de uma das primeiras casas do Reino, primo de Martim Afonso e do Conde de Castanheira, fidalgo austero e enérgico, dotado de excelentes qualidades de administração e de comando já comprovados em missões na África e na Índia. Em 29 de março de 1549 desembarca na Vila do Pereira, próximo à Barra o primeiro Governador do Brasil, acompanhado não só de sua equipe de governo conforme estabelecido nos Regimentos, como também de grande número de funcionários subalternos, artífices, o padre Manoel da Nóbrega e mais 6 jesuítas (os primeiros a pisar o solo brasileiro) além de 600 soldados e 400 degredados, compondo a expedição de três naus (Conceição, Salvador e Ajuda), duas caravelas e um bergantim, em um total de pouco mais de 1000 pessoas, que haviam zarpado de Lisboa no dia primeiro de fevereiro. Imediatamente, em um sítio elevado em frente à Vila do Pereira, tem início a construção e fortificação da Cidade do Salvador, que permaneceria como capital da Colônia por duzentos anos. A denominação de "Cidade de São Salvador" somente foi utilizada mais tarde, em 1551 na Bula de criação do bispado e nomeação do bispo D. Pero Fernandes.
            Iniciou a sua administração estabelecendo relações amistosas com um antigo e influente morador da região,  Diogo Álvares, o Caramuru;  pacificou os índios Tupinambás simplesmente exibindo-lhes o grande número de canhões que trouxera e deixando bem clara a intenção de usá-los se necessário; concedeu novas sesmarias para aproveitamento da terra e subsistência; providenciou a vinda de gado da ilha de Cabo Verde; desenvolveu a cultura da cana de açúcar; organizou uma entrada ao interior em busca de metais preciosos; visitou em demorada viagem quase todas as Capitanias; promoveu em 1551, com apoio da Rainha D. Catarina, a vinda de moças órfãs que ao se casarem com colonos constituíram o tronco de muitas famílias baianas.Finalmente, em 13 de julho de 1553 entregou o governo do Brasil ao seu sucessor.
4 - O SEGUNDO GOVERNO
            Nomeado em 1 de março de 1553, Duarte da Costa chega a Salvador em 13 de julho do mesmo ano, trazendo 260 pessoas, entre as quais um filho, D. Álvaro da Costa, o jesuíta Luis de Grã com alguns padres e o irmão José de Anchieta.
            Talvez por lhe faltarem experiência de comando, o seu governo foi muito conturbado e improdutivo. Os vários desentendimentos públicos entre seu filho, de pensamentos e atitudes mais liberais e o bispo D. Pero Fernandes, de postura mais conservadora, levaram a uma grande divisão entre a população, diminuindo bastante a autoridade do Governador. A situação se tornou tão grave que o Rei chamou o bispo a Lisboa para, pessoalmente, saber dos fatos e determinar providencias.
            Lamentavelmente, embarcando na nau N. S. da Ajuda o bispo naufragou na altura da atual cidade de Maceió, sendo torturado, morto e devorado pelos índios Caetés, provavelmente no dia 15 de junho de 1556, ficando o Rei sem saber quem tinha razão nas divergências. Sobreviveram a este naufrágio apenas um português  "língua" e dois índios escravos (eram chamados de  "língua" os indivíduos que conheciam a linguagem indígena e o português ou francês, funcionando como intérpretes). Este fato gerou uma represália implacável e violenta contra os Caetés e uma mudança na política de convivência com os índios em geral
            Partes positivas, do ponto de vista português, do seu governo foram o início  da exploração sistemática do interior do Brasil através das  "Entradas" e também a expulsão dos indígenas do "Recôncavo Baiano", estabelecendo finalmente a segurança da Capital da Colônia. Parte altamente negativa foi a ocupação da Baia do Rio de Janeiro pelos franceses desde 1555, sem que o governo central pudesse impedir, devido à falta de recursos.
            Amargurado com a impossibilidade de reagir contra os franceses,  com a ocorrência da morte de Diogo Álvares, o Caramuru, a quem devia muitos favores,  com a morte do seu protetor,  o rei D. João III em 11 de junho de 1557 e enfrentando novas revoltas indígenas em Pernambuco, no Espírito Santo e em Porto Seguro, D. Duarte da Costa terminou melancolicamente seu governo em 3 de janeiro de 1558.
5 - O TERCEIRO GOVERNO
            Num dos mais produtivos períodos do Brasil colonial, Mem de Sá governou de 1558 a 1572, período da menoridade e dos primeiros anos de efetivo reinado do rei D. Sebastião. Considerado homem virtuoso e de grande saber jurídico, era desembargador e irmão do poeta Francisco Sá de Miranda. Empenhou-se  imediatamente nas lutas contra os indígenas revoltados, sendo que em uma delas, no Espírito Santo, foi morto em combate seu filho Fernão de Sá. Adotou também várias medidas repressivas, suprimindo o jogo desenfreado que ocorria por toda a capital, reativou a agricultura da cana de açúcar que estava bastante negligenciada, construiu um "engenho real" a fim de atender aos lavradores mais pobres e incentivou a formação de novos aldeamentos indígenas ao mesmo tempo em que proibiu que fossem dados armas e aguardente aos mesmos.
            O chamado "engenho real" era um engenho de grandes dimensões,  de propriedade do governo e que era utilizado pelos pequenos produtores que não possuíam engenho próprio,  movido pela força das águas de um rio, diferente dos outros engenhos movidos à tração animal, também conhecidos na época como "engenhocas"; em algumas regiões do Brasil esta última denominação era dada somente aos pequenos engenhos que só produziam aguardente e rapadura.
            Talvez o maior feito do seu governo foi ter iniciado a luta contra os franceses na baia do Rio de Janeiro e participado pessoalmente das ações, até a expulsão definitiva dos invasores. Em 1570 o rei D. Sebastião designou D. Luiz Fernandes de Vasconcelos para substituir Mem de Sá. Nesta mesma época, em 18 de outubro de 1570, falecia no Rio de Janeiro o padre Manoel da Nóbrega. Lamentavelmente D. Luiz nunca chegou ao Brasil. Sua expedição, composta de seis naus, com colonos e 40 jesuítas foi atacada em 13 de setembro de 1571 por piratas franceses na altura das ilhas Canárias, salvando-se o futuro governador, alguns colonos e 13 jesuítas.
            Reagrupando-se em nova expedição rumo ao Brasil foram novamente atacados por piratas franceses, sendo que D. Luiz morreu no combate que se travou, bem como os 13 jesuítas sobreviventes do primeiro ataque. Estes jesuítas foram mais tarde beatificados com o título de  "Os 40 Mártires do Brasil".
            Em 2 de março de 1572 morria em Salvador o governador Mem de Sá, sendo enterrado na igreja Matriz, ficando o Ouvidor-Geral Fernão da Silva respondendo interinamente pelo governo.
6 - O GOVERNO DIVIDIDO EM DOIS
          A grande extensão territorial foi a principal justificativa apresentada pelo governo português para uma nova experiência administrativa no governo do Brasil. Em 10 de agosto de 1572 o Brasil foi dividido em duas partes o Norte, com a capital em Salvador e se estendendo até Porto Seguro e o Sul daí até o Prata, com sede no Rio de Janeiro. Foi nomeado Luis de Brito e Almeida como Governador do Norte e Antônio Salema como Governador do Sul.
            Este estabeleceu a tranqüilidade para a crescente população do Rio de Janeiro expulsando os remanescentes franceses da região de Cabo Frio, comandando uma expedição de 400 soldados e 700 índios e pacificando definitivamente os índios Tamoios que até então eram aliados dos franceses.
7 - O GOVERNO GERAL
           Com o regresso de Antônio Salema ao reino, Luis de Brito assumiu o governo novamente unificado conforme Alvará de 12 de abril de 1577, com o cargo de Governador Geral, assim chamado pela primeira vez.
            Em 1 de janeiro de 1578 assumiu o Governador Geral Lourenço da Veiga que governou até 1581, quando faleceu.
            Em 1578 na batalha de Alcácer-Quibir no Marrocos desapareceu o rei D. Sebastião. O sucessor na linha do trono português, o Cardeal-Rei D. Henrique assumiu, porém faleceu logo em seguida, em 1580, ficando extinta a linha de sucessão ao trono.
            Como sucessor por laços familiares assumiu o trono português em 1581 o Rei Felipe II da Espanha (Rei Felipe I de Portugal), iniciando-se o período da União Ibérica, onde Portugal e Espanha ficaram unidos sob uma mesma Coroa.
            Após a morte de Lourenço da Veiga o Ouvidor-Geral Cosme Rangel de Macedo governou interinamente até 1583, quando foi nomeado o primeiro Governador do período da União Ibérica, Manuel Teles Barreto que exerceu o cargo até falecer em 1587.
            Vários outros Governadores se sucederam até a chegada da Família Real ao Brasil.



COMPANHIA BRAZIL INDUSTRIAL

 



             No início do século XVIII iniciou-se na região de Lancashire (Inglaterra) a produção têxtil em escala industrial de tecidos de algodão, com as fábricas já funcionando 24 horas por dia, trabalhando em sistema de turnos, inclusive domingos e feriados, sendo que à partir de 1760 a cidade de Manchester (também na Inglaterra) já era a maior produtora de tecidos de toda a Europa. Até esta época os tecidos habitualmente utilizados eram aqueles produzidos manual e artesanalmente com linho e lã. Naquele período, muitos navios ingleses praticavam um intenso contrabando, alimentando todo o comércio da Bahia e do Rio de Janeiro com diversos novos produtos produzidos pela recente Revolução Industrial, todos a preços muito baixos, principalmente os novos tecidos.
            Em 5 de janeiro de 1785 a Corte Portuguesa  através de Alvará extingue e proíbe o funcionamento de todas as indústrias e manufaturas existentes no Brasil, entre elas as que produziam objetos de ouro e prata e as que produziam tecidos, excetuando-se apenas aquelas que produzissem exclusivamente tecidos destinados ao vestuário dos escravos e para o enfardamento e embalagem de mercadorias. Durante este período as indústrias têxteis autorizadas a funcionar continuavam a formar técnicos e mão de obra especializada.
            Somente em 1 de abril de 1808, com a chegada da Corte Portuguesa ao Brasil,  foi revogada esta proibição através de Alvará concedido pelo Príncipe Regente D. João VI. Apesar desta revogação, as indústrias não se desenvolveram porque vários tratados feitos entre Portugal e a Inglaterra davam excepcionais vantagens aos ingleses nas taxas de importação dos mais variados produtos. Estes tratados, na realidade, eram parte de um conjunto muito mais amplo, que demonstrava a situação de dependência de Portugal, que havia sido invadido pelo exército de Napoleão Bonaparte forçando toda a Corte a fugir para o Brasil.
            Durante o século XIX, dois movimentos revolucionários desenvolveram-se  em toda a América Latina e especialmente no Brasil. Nos primeiros 25 anos as colônias de Portugal e Espanha tornaram-se politicamente independentes e esta conquista da nacionalidade despertou os ímpetos de outro ideal: a independência econômica.
            Enquanto o primeiro foi empreendido por tropas e movimentos revolucionários, o segundo, que empreendia uma mudança econômica, desenvolveu-se silenciosamente e aparentemente sem obter sucesso, à partir da criação de associações e movimentos independentes do poder central.  A ampliação dos canais de comércio com a Europa e os Estados Unidos e a disseminação das fábricas demonstravam que uma nova época estava começando.      
            Em 19 de outubro de 1827 foi instalada no Rio de Janeiro a Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional, com a finalidade de criar mecanismos que auxiliassem o crescimento da industria nacional, fazendo referências especificas às preocupações quanto ao problema da necessidade de tecidos de algodão para suprir o mercado e da falta de fábricas para tal fim.
            Com o período da Regência, entre 1831 e 1840, e o conturbado ambiente político, não houve qualquer evolução na situação. Somente em 12 de agosto de 1844 pelo Decreto n. 376, conhecido como Tarifa Alves Branco, foram aumentados os percentuais das taxas de importação de todos os produtos industrializados, inclusive os tecidos, fazendo com que os produtos fabricados no Brasil pudessem ser competitivos no preço. Também por Decreto de 8 de agosto de 1846 foram concedidos privilégios especiais, pelo período de 10 anos, a todas as fábricas de tecidos de algodão já existentes ou que viessem a ser instaladas, o que originou a criação de vários empreendimentos essa área.  
            O período definido nesse Decreto foi ampliado e no decorrer da década de 1860, com o desenvolvimento da Revolução Industrial, já com as locomotivas e estradas de ferro impulsionando uma forte onda de desenvolvimento, havia fortes e poderosos motivos para que diversos investidores brasileiros e estrangeiros acreditassem na vantagem financeira da instalação e do desenvolvimento da indústria têxtil no Brasil: a necessidade de diversificação da aplicação de capitais em outras atividades que não café e cana de açúcar, o fim da Guerra Civil Americana em 1865 e a conseqüente retomada da exportação de algodão por aquele país; com isso o Brasil que era o 4o. maior produtor mundial, ficou sem mercado para vender seu produto e com o algodão se acumulando, sem compradores. Essa matéria prima produzida no Brasil tinha, na verdade, grandes problemas na qualidade e na regularidade da entrega, já que ao contrário do café e da cana de açúcar, era plantado e colhido, na época, apenas por pequenos e diversificados produtores, na sua maioria do Nordeste que não possuíam capital suficiente para desenvolver e melhorar a qualidade da produção. 
            A indústria têxtil nasceu à partir desta visão empresarial de lucro no aproveitamento de grande quantidade de matéria prima à baixo custo e com grande potencial de melhoria da qualidade e da necessidade cada vez maior do mercado por tecidos prontos e em grande quantidade.
            Nesse período ocorreram várias visitas de técnicos e engenheiros estrangeiros na região de Macacos, avaliando as características e potencialidade da região, até que os Srs. George N. Davis e M. Pattison, investidores norte-americanos em visita ao local, ainda praticamente despovoado, decidiram pela criação de uma Companhia destinada a construir e fazer funcionar uma Fábrica de Tecidos de Algodão, o que foi aprovado em 18 de setembro de 1867 pelo Decreto no.  3.965.
            Este projeto industrial, colocado em uma região até então de formação física, cultural e econômica totalmente agropecuária, era uma mudança radical  no rumo do desenvolvimento econômico do Brasil, a partir da experiência na Europa.
            A reunião de centenas ou milhares de operários trabalhando em um mesmo local era uma experiência totalmente nova tanto para os empresários como para os trabalhadores; a problemática do transporte, alimentação, educação e treinamento, disciplina e saúde, entre muitos outros, exigiu novos métodos de administração e gerência, que produziram no entorno das fábricas verdadeiras cidades autônomas, com suas próprias estruturas de comércio, serviços de saúde, laser, escolas, etc., e principalmente moradia, já que não existia transporte de massa para tão grande número de trabalhadores. Inicialmente com a construção de galpões próximo do local de trabalho para alojamento e mais tarde, com a inclusão das mulheres e crianças à força de trabalho, a criação das Vilas Operárias, as casas de propriedade da fábrica em que residiam as famílias, onde o pagamento do aluguel era feito por meio de descontos nos salários, como também acontecia para todos os demais serviços. Este conjunto estabelecia de fato uma total dependência do operário à administração da fábrica, já que devido à falta de estrutura dos poderes públicos, não somente o seu salário como sua moradia, alimentação, saúde, água, vida social, a coleta do lixo e até seu sepultamento dependiam de sua relação de emprego e da aceitação, mais ou menos consciente, das regras estabelecidas.    
            Em 1870 foi incorporada a Companhia com a denominação de Brasil Industrial com capital de 1.000:000$000 (mil contos de réis) e cujos estatutos foram aprovados pelo Decreto no. 4.552 de 23 de julho do mesmo ano para o estabelecimento de uma Fábrica de Tecidos de Algodão a ser instalada na área da Fazenda do Ribeirão dos Macacos, junto à estação do mesmo nome da Estrada de Ferro D. Pedro II e  feita a constituição e posse da diretoria, formada pelos Srs. Barão do São Francisco Filho, José Joaquim de Lima Sobrinho (mais tarde Visconde de Tocantins), Joaquim Antonio Fernandes Pinheiro, Evaristo Juliano de Sá e José Corrêa de Aguiar.
            O projeto inicial da fábrica já era bastante avançado para a época e incorporava o que havia de mais moderno em tecnologia e equipamentos em uso na Europa em instalações industriais. Este projeto elaborado por uma equipe sob a coordenação do engenheiro Sr. William S. Elison previa o desvio e represamento de rios que banhavam a área e que teriam suas águas canalizadas em encanamentos de ferro por uma considerável distância  até próximo a fábrica e daí descendo de uma altura de 268 pés  ( aproximadamente 90 metros) até o prédio onde, além dos detalhes específicos para a movimentação dos equipamentos de produção (teares, etc) e de apoio (elevadores), seriam utilizadas também para alimentar um complexo sistema de extinção de incêndios que se estendia por toda a fábrica. Estava incluído também neste projeto a construção de um ramal ferroviário de aproximadamente  1 (um) quilômetro ligando a fábrica à estação de Macacos e que seria utilizado para transporte direto da matéria prima até o  local de armazenagem, como também dos tecidos já prontos e embalados, nos  próprios vagões da estrada de ferro, ao seu destino final.  
            Além da existência da estrada de ferro com o trem diário para a capital, a quantidade de rios e ribeirões existentes na região foi o mais importantes motivo para a instalação da indústria, já que as opções de fontes de energia para movimentação de todo os equipamentos em uso na época seriam apenas a hidráulica a partir da utilização da água sob pressão, e o vapor à partir da queima do carvão, que era importado da Inglaterra  com custo elevado e irregularidade na entrega; outros fatores bastante importantes foram a existência do telégrafo  e do correio diário, ambos indispensáveis não só para concretização e acompanhamento das vendas como também das compras de matéria prima.   
             Sem que se saibam exatamente os motivos, este empreendimento não teve continuidade, o projeto foi suspenso e a Companhia, mais tarde, foi incorporada pelo  Sr. Comendador João Batista Viana Drummond que organizou uma nova empresa juntamente com os antigos empreendedores e numa atuação bastante dinâmica, reorganizou o projeto e iniciou os trabalhos para a efetiva consolidação do empreendimento. É importante destacar que esta nova empresa incorporou e utilizou muitos favorecimentos que haviam sido concedidos pela Coroa à empresa original para a execução do projeto, tanto no aspecto econômico e financeiro como também operacional, como por exemplo a isenção do pagamento do transporte ferroviário, desde o Rio de Janeiro, de todo o material e equipamentos necessários a construção, operação e manutenção da fábrica, o que na época significava o transporte gratuito de uma quantidade enorme de equipamentos e materiais de grandes dimensões e alta tonelagem, considerando- se que todo o equipamento  necessário ao funcionamento da fábrica, ferramentas para as oficinas de manutenção e inclusive a maior parte do material para a construção do prédio foram importados da Inglaterra e da França, inclusive tijolos, telhas, ferragens, vidros, tubulações, etc. Somente as pedras utilizadas nos alicerces não foram importadas; foram retiradas da pedreira localizada junto aos prédios e preparadas por escravos.
            Em 10 de julho de 1871 ocorreu a primeira reunião, em que foi escolhida e empossada a diretoria, composta pelos Srs. Francisco de Assis Vieira Bueno (Presidente), Zeferino de Oliveira e Silva e Joaquim Dias Custódio de Oliveira. Estes realizaram reuniões subseqüentes nos dias 13 e 20 do mesmo mês e em 14 de agosto dando continuidade aos trabalhos de organização.
            Em 6 de setembro do mesmo ano foram aprovados os estatutos e permitida a instalação pelo Decreto no. 4.786. Dois dias depois, no dia 8 reuniram-se os acionistas para a instalação oficial da Companhia, já realizada a primeira entrada de 20 % sobre o capital de 1.000:000$000, comprada a Fazenda do Ribeirão dos Macacos por 107:000$000 (cento e sete contos de réis) e já estavam de posse de todos os estudos, plantas e orçamentos necessários para a construção do prédio e instalação da fábrica, que importaria em 630:000$000 (seiscentos e trinta contos de réis), sendo que o custo da construção do prédio foi estimado em 200:000$000 (duzentos contos de réis) e que, na realidade, consumiu 359:641$877 (trezentos e cinqüenta e nove contos, seiscentos e quarenta e um mil, oitocentos e setenta e sete réis). No dia 13 de setembro deste mesmo ano foi assinada pela Princesa Isabel a Carta Imperial concedendo licença para o funcionamento da Companhia.
            Os trabalhos de construção da fábrica com as primeiras perfurações do terreno para colocação dos alicerces forma iniciados, provavelmente, em setembro de 1867. O início da construção trouxe grande crescimento da área urbana de Macacos devido ao grande número de operários e técnicos estrangeiros e de trabalhadores brasileiros e suas famílias que vieram de outras localidades para a execução da obra que também contava com a participação de grande número de escravos; também muitos operários residentes na povoação de São Pedro e São Paulo passaram a trabalhar no local.
            Em meio a uma plantação de algodão, ao lado da antiga Casa Grande da Fazenda onde residiam os diretores e  também da antiga senzala, agora desativada, o prédio principal é formado por 3 andares além do térreo, com 500 pés (160 metros) de comprimento por 50 (16 metros) de largura, alicerces de pedra e paredes de pedras rústicas até o vigamento do 1o  andar e de tijolos maciços nos demais, ficando todas as paredes apoiadas em uma malha de estrutura metálica, transversal ao prédio. Os três andares não possuíam nenhuma divisão interna ficando todo o espaço  livre e disponível para utilização na produção.
            Acima dos três andares havia ainda uma "água furtada" que ocupava quase toda a extensão do prédio e que possuía uma clarabóia na parte central, por onde entrava a luz do dia. Esta área central era ocupada pelo equipamento para engomar os fios e que funcionava em conjunto com a caldeira.  "Água furtada" é a denominação que se dá ao último andar de uma construção, quando suas janelas estão junto ao telhado do andar inferior.
            Existem duas torres na frente do prédio, recobertas por escamas (placas) de grafite, cada uma à igual distância das extremidades e do centro, contendo as escadas que interligavam os andares e por onde passavam as correias de transmissão que movimentavam os equipamentos,  e também as tubulações de água para uso nos escritórios  e também para alimentação do sistema contra incêndio, que se espalhava por todos os andares. 
            Existe  ainda uma terceira torre na parte posterior, de forma diferente das demais e com um andar a mais, fazendo com que seja visível da frente do prédio. Nesta torre funcionava o elevador que transportava matéria prima, tecidos e todo o material de produção entre os andares e ainda abrigava no último andar uma caldeira à vapor que era utilizada em várias fases do processo de fabricação. Estas três torres também tinham a função de estabilizar a estrutura do prédio, já que o mesmo era bastante comprido e estreito. 
            No andar térreo à altura das torres estavam instaladas máquinas esfarrapadeiras e máquinas para limpeza de algodão e as três turbinas movidas pela força hidráulica que no total produziam o total de 350 HP e que através de correias de transmissão movimentavam 400 teares no 1o andar;  uma infinidade de outros equipamentos no 2o para o preparo do algodão, máquinas cardadoras e de preparação para fiação; e no 3o as instalações de fiação com 24.000 fusos; expressão máxima da mecânica  e obra prima da tecnologia da época, causando espanto e admiração na Europa, funcionava em Paracambi a mais avançada e a maior fábrica de tecidos do Brasil. 
            Em 1874 já estavam instalados os 400 teares porém só 200 estavam funcionando devido à falta de mão de obra qualificada, sendo que a maioria dos equipamentos ainda era operada por operários ingleses.
            Foi a primeira fábrica brasileira a produzir tecidos de algodão de melhor qualidade, diferente dos tecidos grosseiros até então fabricados e que serviam unicamente para a confecção de roupas para os trabalhadores livres ou escravos e para a confecção dos sacos para embalagem de açúcar e café, este com exportação crescente e necessitando uma quantidade cada vez maior de embalagens. O período de produção deste tecido grosseiro foi importante também para o aprendizado e conhecimento dos operários e mecânicos brasileiros, o que foi fundamental na rápida adaptação aos novos equipamentos e também na participação na melhoria na qualidade dos tecidos.    
            Em 1875 já havia mulheres e crianças (aprendizes)  trabalhando na fábrica, onde estavam em funcionamento 300 teares operados com a ajuda de 300 novos operários alemães vindos de Santa Catarina e em 1877 estavam em funcionamento os 400 teares já com grande participação de operários brasileiros, vindos principalmente de Minas Gerais, onde havia várias pequenas fábricas de tecidos.
            Um trem especial levava os vagões carregados de matéria prima diretamente da estação até o pátio da fábrica onde eram descarregados e retornava transportando outros vagões com as portas lacradas  e carregados com os tecidos já embalados e prontos para seguir viagem.
            Mais tarde foi criado o bondinho, o "Trol" ou "Trolei", que transportava o Gerente e Diretores entre a fábrica e a estação e eventualmente pequenas quantidades de matéria prima e de tecidos prontos ou pequenas bagagens. Este bondinho era puxado pelos burros Moleque, Coquinho e um outro burro preto muito forte sem nome conhecido, e o condutor era o Sr. Juca, conhecido em toda a cidade como Sr. Juca do Trol.
            Em 1878 já trabalhavam na fábrica 343 operários brasileiros, sendo 146 homens, 31 mulheres e também 132 meninos e 34 meninas, alguns filhos de operários e outros recolhidos em orfanatos ou casas de caridade. Dos 132 meninos que normalmente trabalhavam na limpeza das máquinas, 72 eram aprendizes que freqüentavam a Escola de Aprendizes, no horário noturno e alguns alunos pertenciam à Banda de Música organizada pelos operários; quanto às meninas, normalmente trabalhavam na limpeza  e como auxiliares na produção. 
            O Imperador D. Pedro II e toda a Família Imperial visitam a Fábrica Brasil Industrial em julho de 1880, percorrendo toda a linha de produção e acompanhando detalhadamente todos os detalhes da produção, desde a preparação da matéria prima até os acabamentos finais.
            Aproximadamente às  5 horas da tarde do dia 21 de dezembro de 1883 ocorreu um incêndio na Fábrica, causado por um raio durante forte temporal e que atingiu uma das extremidades do prédio e, percorrendo as instalações chegou aos equipamentos, incendiando-os e em seguida atingindo todo o algodão estocado, tecidos prontos e tecidos que estavam em processo de fabricação no interior do prédio, sendo o mesmo tomado pelo fogo com destruição praticamente total da fábrica e do sustento de aproximadamente 600 operários, a maioria com família.
            Coincidentemente naquele mesmo mês não havia sido realizada a tradicional festa de Nossa Senhora da Conceição.
            Felizmente havia sido feito um seguro para estes casos e foi possível reconstruir o prédio  e instalar nova linha de produção, sendo que a Companhia construiu um armazém para suprir as necessidades dos operários e suas famílias até que a fabrica fosse reconstruída. À medida que as instalações ficavam prontas, os trabalhos eram reiniciados progressivamente, sendo que em fevereiro de 1885 já estavam funcionando 300 teares. 
            Em 3 de novembro de 1885 foi feita a festa de reinauguração da fábrica, totalmente reconstruída após  o incêndio e novamente com a presença do Imperador D. Pedro II que fez um pronunciamento com palavras de apoio e estímulo para o reinício dos trabalhos.
            É importante observar que no  período de 5 anos o Imperador D. Pedro II juntamente com a Família Real  esteve por 3 (três) vezes em Macacos, sendo duas na mesma fábrica, fato totalmente inusitado para a época,  o que demonstra a grande importância daquela indústria para o desenvolvimento econômico do país.
            Nessa época a Companhia Têxtil Brasil Industrial  criou vários loteamentos localizados entre o terminal ferroviário e o bairro da fábrica, formando as primeiras "Vilas Operárias" da região, com casas possuindo água encanada, instalada em dezembro de 1887 e outras benfeitorias e que hoje se identificam como o "Centro Antigo" de  Paracambi.
            Somente em 5 de maio de 1897 a Companhia obteve plena propriedade e senhoria definitiva de suas terras, quando o Ministério da Fazenda concluiu a medição e demarcação da área que ainda estava oficialmente aforada à Fazenda Nacional de Santa Cruz.
            A abolição da escravatura em 13 de maio de 1888 e como conseqüência o imediato declínio econômico das regiões que dependiam da mão de obra escrava para suas atividades de cultura de cana de açúcar e de café; entre elas  a povoação de São Pedro e São Paulo que praticamente desapareceu com o deslocamento acelerado da pequena população que lá existia para a localidade de Macacos, atraída pela sua atividade industrial em constante crescimento.
            Para atender as necessidades religiosas dessa crescente população foi inaugurada em 6 de maio de 1880 a Capela de Nossa Senhora da Conceição, construída pelos operários nas horas vagas e pela população em geral, graças a uma subscrição para levantar recursos para a compra do material e à doação do terreno pela Companhia, que até 1898 era a maior e mais importante fábrica de tecidos do Brasil.
            A expansão das estradas de ferro, nesta época já interligando o Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo, marcava definitivamente a região geográfica preferencialmente industrial do Brasil e consolidava o Rio de Janeiro como principal pólo de produção da indústria têxtil que até então tinha como núcleo principal a Bahia.




Município de Paracambi

 

Nenhum comentário: